O Secretário da Fazenda de Porto Alegre, Leonardo Busatto, concedeu entrevista para a AIAMU, falando sobre a carreira de auditor fiscal, a eficiência da Receita Municipal e os desafios que vêm pela frente para implantação da cobrança do ITPU. Confira a seguir.

1. Quais os principais projetos e resultados da sua gestão? A gente pode dividir em dois grandes blocos, quando se separa receita e despesa. No que diz respeito à despesa, que é muito mais geral, não só ligado à questão tributária, a gente conseguiu nesse período uma contenção forte da despesa da máquina pública, do custeio, da parte inclusive de pessoal. Conseguimos reduzir uma trajetória ascendente de crescimento de despesas do município e direcionar mais recursos para as atividades fim. Então, é um fator positivo porque as despesas estavam crescendo acima da inflação ao longo dos últimos anos. Do lado da receita existe um grande resultado quando se analisa a nossa receita própria, que é a receita formada pelos tributos municipais, como IPTU e ITBI, por exemplo. Por quê? Porque num cenário de crise econômica que estamos vivendo, que nós não conseguimos recuperar, as receitas próprias têm crescido bem acima da inflação, e se comparado com as transferências, tanto da União quanto do Estado, estamos com um crescimento muito significativo. À medida em que as transferências do Estado e da União têm caído em termos reais, temos conseguido aumentar as receitas próprias. Isso com um detalhe importante: somente com o aumento da eficiência da arrecadação, sem nenhum aumento de alíquotas, sem nenhuma mudança estrutural, somente com o trabalho de cobrança dos devedores, do trabalho de fiscalização, redução da inadimplência e melhoria da eficiência de informática e dos próprios recursos humanos que temos. Então, são dois grandes resultados que se complementam, que sinalizam para um futuro breve, provavelmente já no ano que vem, para o equilíbrio das contas e a retomada da capacidade de investimentos a partir da próxima gestão.

2. Qual a evolução da receita própria neste período? O Sr. Considera a principal a receita própria? Com certeza. A receita própria é que a mais tem crescido em relação não só às transferências, mas até em relação à inflação. É essa receita que tem sido a responsável por sinalizar agora, num futuro próximo, as contas do município no azul. Isso sem considerar, ainda, que no ano que vem deverá ter um incremento significativo em função da nova planta de valores do IPTU.

3. Esse é o principal objetivo, colocar as contas no azul? Exato. A gente tem tratado essa questão de maneira muito transparente. Nós não estamos contando, nesse equilíbrio financeiro, com receitas extraordinárias. Às vezes se vende algum ativo ou tem uma receita que não acontece todo ano, então consideramos isso um superávit. É um pouco daquela analogia da família que vende o sofá da sala para jantar. No dia seguinte não tem mais sofá e a janta está lá. Então, a gente precisa equilibrar aquelas receitas recorrentes que entram todos os anos, chamadas ordinárias, com as despesas ordinárias. E as receitas extraordinárias, que advêm de uma venda da folha de pagamento, por exemplo, ou eventualmente de uma ação judicial, ou até mesmo a venda de algum patrimônio, devem ser usadas para pagar investimentos, que tem um fim no tempo, e que vão gerar crescimento da economia. Esse é o grande desafio: de uma maneira transparente fazer com que as receitas ordinárias, que vêm dos impostos, das transferências, sejam superiores às despesas ordinárias, que custeiam não só a máquina pública, mas também a prestação de serviços à população.

4. Quais os projetos futuros e resultados esperados? A exemplo da União e do Estado do RS, o Município também trabalha com remuneração variável em função do desempenho de arrecadação? Qual a sua visão sobre essa sistemática? Ela é uma ferramenta de gestão importante? Ela é muito boa, muito positiva. Aliás, ela talvez seja a gratificação que mais se aproxima daquele modelo privado, que é remunerar os funcionários pelo seu desempenho. O próprio privado já tem avançado ao longo dos anos para trabalhar com remunerações coletivas e não somente individuais. A gratificação dos auditores tem muito desse sentido porque a gratificação individual, além da dificuldade de mensuração, cria uma competição interna que não é salutar. Enquanto que a gratificação coletiva faz com que todos tenham que se ajudar para conseguir atingir um fim. Aí, sim, atingido o fim, ter uma remuneração melhor. É um modelo que já existe no Estado do Rio Grande do Sul, em diversas outras cidades, na própria União, que é o famoso, que se fala muito, da meritocracia. Uma gratificação que existe por desempenho, no caso da gratificação da administração tributária, dos auditores, tem muito esse objetivo. Se o resultado é bom, todos ganham. Se o resultado não é bom, todos perdem. Esse é um sentido que acho muito interessante, é talvez a única gratificação do município que não tem atingimento de 100%, ou seja, é realmente variável conforme o desempenho do trabalho dos auditores e, por consequência, da prefeitura.

5. Em que medida o Decreto nº 20.239/19, editado em 06 de agosto deste ano, e os Projetos de Lei nºs 009/2019 e 014/2019 (renumerado para PLCE 011/19) protocolados na Câmara de Vereadores afetam a gestão da Secretaria da Fazenda? Tem uma situação em que, com a uniformização da definição das metas, se comparado com outras gratificações, primeiro estamos nivelando uma gratificação, que é realmente variável, com outras que, na verdade, acabam sendo mal geridas. Então, estamos nivelando por baixo. Estamos trazendo todas para um mesmo patamar. Outro problema que é muito claro é que as metas da administração tributária versam muito, às vezes, com o sigilo fiscal. Imagina, por exemplo, que tem uma meta em determinado período de fiscalização de um setor específico da cidade, que é comum na administração tributária. Quando isso é de conhecimento público afeta sobremaneira, além de ferir a programação fiscal. Alerta aquele setor que vai ser fiscalizado. Ou temos uma meta de cobrança de devedores, ou, em uma ação específica, ao se tornar público, perde a possibilidade de se executar aquela ação. Então a gente tem uma preocupação muito grande em relação ao sigilo fiscal e temos discutido internamente para que isso não prejudique a gestão da Secretaria da Fazenda e, também, não prejudique a autonomia do secretário que tem a responsabilidade de entregar os resultados para a cidade.

6. Há prejuízo de competência da pasta? Eu entendo que há um prejuízo de competência na medida em que o secretário perde poder na definição das suas metas e passa para um colegiado, que muitas vezes não conhece a atividade fim. É um pouco como que se o Secretário da Fazenda estabelecesse metas para o Secretário da Saúde. Claro que os questionamentos ocorrem. Agora, quem conhece a área da saúde e pode definir uma meta para o médico, enfermeiro, posto de saúde, hospital, é o Secretário da Saúde. Não é minha área de conhecimento. Essa dificuldade das competências é um problema que teria que ser solucionado e talvez tenha que ser discutido ao longo da tramitação desse projeto de lei ou pela revisão do decreto.

7. A nova forma de definição de metas apresenta risco ao sigilo da programação fiscal? Isso é um problema. Como falei, se eventualmente na meta existe a programação de fazer um determinado tipo de fiscalização, de qualquer área do ISS, por exemplo, ao se tornar público deixa de ser uma programação que vá ter efeito prático porque pode simplesmente passar para o próprio contribuinte que vai ser fiscalizado e ele se proteger por eventuais ações da fiscalização. Temos que ter muito cuidado em relação ao sigilo do contribuinte, ao sigilo fiscal, e, principalmente, nessa questão das definições gerais não há como abrir algumas questões sigilosas, que dizem respeito ao fisco e são competência do Secretário Municipal da Fazenda. Por isso tem que ter extremo cuidado quando se quer estabelecer metas por outros órgãos que não são ligados à Secretaria da Fazenda. Isso realmente precisa ser visto e, certamente, as metas, principalmente quando versarem com fiscalização, não podem ser abertas para fora da Secretaria da Fazenda.

8. Quais os impactos e prejuízos para a Secretaria da Fazenda com a atual situação de ausência de Superintendente da Receita Municipal? Quais os motivos que levaram a esta entrega de cargo?  A dificuldade é enorme. Imagina um barco sem capitão. Ele vai à deriva. Isso não significa que os auditores, que os integrantes do barco não estejam trabalhando. Os gestores dão a diretriz, a linha, fazem a cobrança e estimulam a equipe a atingir melhores resultados. Sabemos a dificuldade que é… temos tentado trabalhar nesse cenário. Desde a decisão judicial que estabeleceu o teto remuneratório do município de Porto Alegre ao salário do Prefeito, um salário que já é baixo para padrões de regiões metropolitanas, nem se fala do Brasil todo, limitou o salário de todos os auditores, tanto os da ativa como os inativos. Esses auditores passaram a não ter nenhum bônus, nenhuma premiação remuneratória, pelas funções de um cargo de extrema responsabilidade. Porque o gestor não é só um gestor do ponto de vista de liderança, de motivação de equipe. É de cobrança efetivamente, com responsabilidade. O gestor tem responsabilidade em tudo que acontece e ninguém assume um risco e uma missão dessas sem ser remunerado. Então, essa questão do teto remuneratório já foi um grande baque e, também, algumas discussões de projetos de lei que têm afetado a categoria também geram prejuízos e problemas internos que temos tentado contornar, mas não está fácil.

9. O senhor não teme uma desestruturação na carreira de Auditor-Fiscal da Receita Municipal, considerando que as carreiras análogas no Estado e na União estão submetidas, respectivamente, aos tetos do Desembargador do TJRS, atualmente em R$ 35.462,22, e do Ministro do STF, hoje em R$ 39.293,38, enquanto que no município o teto é o subsídio do Prefeito, que no momento equivale a R$ 19.477,40, agravado pelo fato de que no próprio município outros servidores possuem teto salarial superior ao subsídio do Prefeito? É um problema generalizado dos municípios. Como foi bem colocado, hoje o teto salarial para todos os municípios do Brasil é o salário do Prefeito. Isso é muito inferior ao teto do Estado do Rio Grande do Sul e da própria União. Então, vamos começar a perder valores, perder bons servidores paras outras carreiras, tanto União quanto Estado, inclusive outras capitais, porque são mais atrativas do ponto de vista remuneratório. Isso não é um problema só de Porto Alegre. É um problema de todas as capitais, porque a área tributária, que geralmente é a área que tem a melhor especialização, os melhores quadros, vai começar a ser afetada porque os melhores sairão e não vamos atrair outros talentos. Esse é um problema crônico porque, infelizmente, a Constituição Federal atrelou o limite remuneratório dos servidores a um agente político, que é o Prefeito. No meu ponto de vista isso não deveria acontecer. Deveria ter outro tipo de limite que não atrelasse ao político que a cada quatro anos pode ser mudado. Esse é um problema muito grave. Obviamente a situação atual necessita que haja uma correção no salário do Prefeito, que no ambiente político também tem que entender que não é fácil esse debate, ainda mais que depende da aprovação da maioria dos vereadores. Então, isso afeta sobremaneira a gestão, afeta a eficiência da arrecadação da Administração Tributária, e é um problema que, em termos nacionais, também terá que ser debatido. No meu entendimento a carreira da Administração Tributária, assim como a carreira de qualquer servidor, não deve estar limitada ao salário do Prefeito. Ainda mais que a carreira das procuradorias, tanto estaduais como municipais, hoje já não obedecem a esse teto por uma questão constitucional já decidida pelo Supremo Tribunal Federal. Isso agrava ainda mais a situação porque temos dois tetos no município para servidores públicos municipais em função de uma questão judicial. É uma questão bem grave que a gente precisa trabalhar, não só do ponto de vista do município, mas do ponto de vista federal.

10. Considerando que já existe autorização para realização de concurso de Auditor-Fiscal, qual a situação atual do quadro e perspectiva de provimento dos cargos vagos? Esse concurso é extremamente importante, principalmente pela perspectiva dos próximos cinco anos. O número de potenciais aposentadorias fará com que o quadro da Receita Municipal se reduza a próximo da metade do que é atualmente. As pessoas já estão obtendo o tempo de aposentadoria. A própria reforma da Previdência tem gerado esse movimento. Se não começarmos a repor vamos ter seríssimos prejuízos para Porto Alegre, porque não vamos ter nem o mínimo suficiente para fazer a fiscalização necessária. Tem áreas hoje, por exemplo, da Receita Municipal que tem uma ou duas pessoas para fazer um trabalho que deveria ter muito mais. Essa é uma preocupação extremamente grande. O concurso está em andamento, em fase final de elaboração do edital e em breve deve ser publicado. Mas precisamos trabalhar, também, após o concurso, na nomeação dos colegas e melhoria remuneratória, porque se tivermos entrada de novos servidores, podemos logo em seguida perdê-los para outras carreiras.

11. Haverá tempo da Fazenda se organizar para emitir as guias do IPTU, já com o projeto sancionado? Esse é mais um desafio que se apresenta. Em situação normal, a própria carga do IPTU já mobiliza uma série de servidores e demanda um trabalho muito grande. Com a situação atual, que prejudica a gestão, sem as chefias, há uma dificuldade adicional porque sem as chefias se tem, não só a motivação prejudicada, como a própria cobrança dos colegas na entrega desse trabalho. Somado a isso, a nova planta, que faz com que todos os valores venais dos imóveis tenham que ser revistos, lançados no sistema e testados para que não haja problema de emissão de boletos equivocados. É um desafio adicional. Temos trabalhado, juntamente com os colegas da Receita Municipal, mas a gente vai ter que fazer uma força-tarefa muito grande para que as guias possam ser emitidas no prazo usual, que é no início de dezembro, para chegar na casa do contribuinte em tempo dele fazer o pagamento antecipado. Essa é outra questão a ser discutida: se haverá ou não desconto por pagamento antecipado e em qual percentual. Lembrando que cerca de 50% da arrecadação do IPTU é paga de maneira antecipada historicamente. Essa arrecadação é que dá fôlego para o município pagar o salário de dezembro, eventualmente até o 13º, e iniciar o ano com reforço de caixa. Sem essa antecipação certamente não se teria condições de cumprir esses compromissos. É extremamente importante que a gente consiga fazer esse trabalho, um trabalho difícil, de fôlego, para poder lançar a nova carga geral, e, também, emitir os boletos no início de dezembro.

12. Quais adequações são necessárias no sistema da Receita para que a cobrança seja aplicada conforme o projeto aplicado? Praticamente teremos que fazer uma base nova. É a primeira vez que no sistema atual vai ser feita uma nova planta. Fazia 28 anos que não se atualizava a planta. Tem uma série de mudanças que vão requerer, inclusive, apoio de nossa empresa de tecnologia, a Procempa. Será um trabalho árduo dos auditores e colegas da Receita Municipal. Vamos ter que adaptar alguns procedimentos internos e rotinas para essa nova planta porque é uma novidade, inclusive para nós. Vai dar um trabalho muito grande.

13. Haverá alguma dificuldade de aplicar os reajustes? Do ponto de vista geral, nós vamos ter 50% dos contribuintes ou não pagando IPTU, e mais de um terço tendo algum desconto. Pouco menos da metade vai ter aumento já em 2020 do seu IPTU. Esses já não estavam pagando o valor devido há muito tempo e acreditamos que se tenha um número maior de reclamações com relação ao valor do IPTU do que usualmente ocorre. Isso nos preocupa porque o momento do final de ano e início de ano, quando chegam as guias nas casas das pessoas, já é um período de muita demanda na loja de atendimento da Secretaria da Fazenda e dos colegas da Receita Municipal. Então, estimamos que isso vai aumentar em muito, talvez em mais de 10 vezes, o movimento nesse período. Precisaremos reforçar não só a área de atendimento, mas, também, nossa área de julgamento.

14. Falando em reajuste, quais formas de comunicação a prefeitura vai utilizar para esclarecer a população? Por exemplo, está prevista alguma informação na própria guia do IPTU sobre o reajuste deste ano e os dos próximos anos? Vamos ter uma campanha específica do que significa o IPTU para a cidade, não apenas informando sobre valores ou a nova planta, mas principalmente esclarecendo o contribuinte sobre a importância do IPTU para a prestação de serviços, para o desenvolvimento. Os meios dessa campanha poderão incluir a guia do próprio IPTU, mas isso ainda está sendo pensado. A campanha será elaborada mais adiante.

15. Os contribuintes continuarão tendo descontos caso optem pelo pagamento antecipado? Sim, há uma tendência de mantermos os descontos, mas isso ainda não está totalmente definido. Historicamente o percentual de desconto fica em 10% para pagamento antecipado. Pode-se, também, incluir a possibilidade do contribuinte pagar parcelado em menos vezes do que as atuais 10 vezes.

16. Qual a projeção de arrecadação este ano com a aplicação dos reajustes? O IPTU representa 27% das receitas próprias de Porto Alegre.  A maior parte do valor entra no começo de janeiro, com pagamento antecipado. Em fevereiro se mantém a possibilidade de pagamento em uma única vez, mas não é muito representativo.

17. Em quanto está a inadimplência com IPTU e quais os riscos de piora desse cenário com os reajustes? A inadimplência do IPTU em Porto Alegre é uma das menores do País, em cerca de 5%. O contribuinte paga o IPTU, mesmo que de forma parcelada, mas não deixa de pagar.

18. Os contribuintes que não concordarem ou que tiverem dúvidas sobre os novos valores, como deverão proceder? Poderão procurar o atendimento da loja exclusiva para tratar de IPTU, junto ao prédio da prefeitura. Nós também estamos trabalhando para criar ferramentas de atendimento virtual, com o objetivo de esclarecer o contribuinte e até corrigir eventuais problemas. Isso fará com que as pessoas não precisem se deslocar até à prefeitura, agilizando o atendimento, evitando a formação de filas e, principalmente, resolvendo a dúvida do cidadão.